sábado, 31 de julho de 2010

Do público ao ciberpúblico

Marcello Chamusca
Marcia Carvalhal

Do ponto de vista das relações públicas, ou seja, da análise de como a rede mundial de computadores pode ser utilizada para a manutenção da qualidade das relações entre as organizações e os seus públicos, a partir dos processos comunicacionais nela estabelecidos, percebemos que a prática da importação dos modelos de relacionamento off-line para o mundo on-line tem sido recorrente, o que a nosso ver se constitui em um erro crucial das relações públicas contemporâneas.

Não é novidade para ninguém que o ambiente virtual do ciberespaço tem características bem específicas, que vão desde os processos de produção da informação até as formas em que são mantidas as relações interpessoais e a comunicação dos indivíduos que por ele transita.

O que a grande maioria das organizações ainda não percebeu, no entanto, é que essas características exigem um planejamento específico para a relação com os públicos neste ambiente.

É preciso que entendamos que estamos cometendo um grande equívoco quando realizamos a mera importação do modelo de relacionamento estabelecido por uma organização física (off-line) para o ambiente virtual (on-line).

Talvez não seja redundante observar que a nossa discussão não está diretamente ligada com a discussão relativa a formação de uma nova linguagem a partir da Internet, mesmo porque sobre isto acreditamos que não paire mais nenhuma dúvida, pois muito já se discutiu a respeito.

Acreditamos, contudo, que precisamos avançar nessas discussões e ir além da linguagem, aprofundando essa questão, levantando a hipótese de que os públicos de uma organização na rede e fora dela, não apenas usam uma linguagem diferente, mas são públicos com características diferenciadas, independentemente da perspectiva que sejam analisados e, portanto, consequentemente, exigem tratamentos também diferenciados nos planos de relações públicas dentro e fora da rede.

Os estudos e pesquisas que desenvolvemos nesta área, há mais de quatro anos, nos levam a crer que os critérios de identificação, classificação e análise de públicos off-line sistematizados pelos teóricos da área, como por exemplo a tipologia de Lucien Matrat (apud SIMÕES, 2005), que classifica os públicos em quatro tipos: decisão, consulta, comportamento e opinião, bem como o critério de análise de públicos de Fábio França (2004), que estabelece níveis de dependência entre a organização e os seus públicos para pensar na essencialidade deles para a organização, são muito eficientes para dar conta da realidade off-line, mas para uma organização inserida no ambiente on-line não são suficientes ou, para ser mais enfáticos, podem não ser adequados.

Primeiro porque a web assume hoje uma dimensão que permite projetos exclusivamente voltados para a rede, sem nenhum tipo de relação com públicos fora dela, como o site Amélia.Com, criado para atuar exclusivamente na Web, sem lojas físicas como suporte. Depois porque o ambiente on-line não permite o mesmo nível de controle que o off-line, visto que na rede os públicos assumem outros padrões de comportamento, pois, a lógica em que estão inseridos também é outra.

No mundo off-line há uma tendência natural dos públicos seguirem caminhos pré-determinados pela organização para consumir determinadas informações, ou seja, tendem a seguir a lógica do determinismo tecnocrático, uma vez que as mesmas são transmitidas de forma linear e seqüencial. Ex.: Em um informativo impresso a empresa ou instituição organiza as informações numa seqüência específica, determinando o que vai ficar na página 1, 2, 3, e assim por diante. O leitor desse informativo, por sua vez, muito provavelmente, vai ler primeiro a página 1, para depois a 2 e assim sucessivamente, respeitando a hierarquia de importância determinada pelo editor daquele informativo. Isso nos leva a crer que a maioria das pessoas vai ter acesso ao mesmo conteúdo, ainda que exista a possibilidade de interpretações diversas (RIBEIRO; CHAMUSCA; CARVALHAL, 2006).

Já o mundo on-line é construído com base na lógica da sedução, do desvio, que tem sua estrutura deslinearizada, não-seqüencial e ramificada, permitindo aos públicos escolherem caminhos diferenciados no consumo das mesmas informações, e, conseqüentemente, tornam-nas diferentes (RIBEIRO; CHAMUSCA; CARVALHAL, 2006).

Ambientes com características tão diversas e específicas, nos dão indícios de que não podemos pensar em públicos cibernéticos dentro da mesma lógica que pensamos públicos em uma organização física.

Essa constatação nos levou a necessidade de desenvolver o conceito e cunhar de forma inédita o termo ‘ciberpúblicos’, em um artigo publicado em 2006 nos Anais do LUSOCOM – VII Congreso Internacional de Comunicación Lusófona, dando início a uma discussão que vem sendo um dos motes da literatura de relações públicas nos últimos anos, uma vez que, a nosso ver, não há mais como negligenciar o fato de que a cada dia se torna mais clara a necessidade de se estabelecer diferenciação entre públicos que atuam fora e dentro da rede, sob a perspectiva de relações públicas, ou seja, diferenciar públicos de ciberpúblicos.

Podemos definir público como todo grupo que influencia ou é influenciado pela organização, em algum grau, direta ou indiretamente. Em relações públicas, ele deve ser o mais específico possível, observando que não podemos conceituar público apenas como um agrupamento de pessoas, é preciso especificidade ao determinar os níveis de interesse de cada um nas suas relações com a organização, concluindo que um grupo só pode ser considerado público quando existe um estudo de relações públicas conduzindo e enunciando esse desejo.

Partindo deste conceito de público tradicional, podemos definir Ciberpúblico como:

todo indivíduo ou grupo que pode por meio do ciberespaço influenciar, direta ou indiretamente, as atividades on-line da organização, lembrando que a sua condição de virtualidade propõe ainda mais especificidade na identificação, rigor nos critérios de classificação e muita profundidade na análise, para que se possa chegar a um estudo eficiente dos ciberpúblicos de uma organização (CHAMUSCA; CARVALHAL; RIGITANO, 2006).
 

Os ciberpúblicos, entretanto,

podem assumir níveis bastante diferenciados de relação com a organização, uma vez que para um projeto que tenha na web sua área exclusiva de atuação, eles são muito mais importantes e exigem muito mais empenho do que para uma organização que utiliza a web apenas como um instrumento de apoio à sua imagem institucional (CHAMUSCA; CARVALHAL; RIGITANO, 2006).
 

Um estudo específico sobre os públicos da organização na rede, portanto, é tão imprescindível quanto pensarmos estrategicamente o uso que faremos de cada um dos instrumentos nela disponíveis, a partir de planejamentos também específicos para a relação com os públicos identificados, classificados e analisados dentro e fora da Internet, uma vez que a “natureza da rede mundial oferece características que favorecem o trabalho de relações públicas”, pois, é um dispositivo que permitiu a comunicação contemporânea deixar “de ser um monólogo para transformar-se em um diálogo, aproximando-se do modelo mais efetivo de comunicação em relações públicas, como uma via dupla: emissor-receptor e receptor-emissor” (PINHO, 2003, p.17).

Sugerimos – como proposta reflexiva – de que novos públicos estejam se moldando no mundo contemporâneo. Tal proposição se apóia nas diversas vivências experienciais cotidianas que sugerem mudanças nas formas de constituição de sentidos e nas articulações de conteúdos através de participações cada vez mais ativas, principalmente naquelas constituídas pelas intervenções diretas.

Não entraremos aqui em especulações mais “ousadas” sobre eventuais mudanças na forma de estruturação dos processos cognitivos nas atividades de apreensão das informações; mas não há como negar quemais significativas estão se insinuando; talvez em um nível ainda não completamente perceptível, porém com vários indicativos de sua presença, pelo menos, no que se refere aos aspectos sócio-comportamentais envolvidos nas situações cotidianas e à capacidade de articulação das diversas informaçõesparalelas, comumente presentes nestes processos. alterações

Em linhas gerais, as condutas observadas em nossas pesquisas que objetivam uma análise mais aprofundada do comportamento desses novos públicos, nos credenciam a supor que algo está realmente em mutação e que essas mudanças são algo irreversível. Assim, cabe-nos, enquanto analistas dos cenários contemporâneos, detectar o grau, a profundidade e as repercussões que tais alterações trazem ou simplesmente podem vir a trazer dentro do contexto social.


REFERÊNCIAS

PINHO, José Benedito. Relações Públicas na Internet: técnicas e estratégias para informar e influenciar públicos de interesse. São Paulo: Summus, 2003.

SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas: Função Política. 5. Ed. Ver. Ampl. – São Paulo: Summus, 1995.

FRANÇA, Fábio. Públicos: Como Identificá-los em Uma Nova Visão Estratégica. São Caetano do Sul, SP: Yendis Editora, 2004.

RIBEIRO, José Carlos; CHAMUSCA, Marcello; CARVALHAL, Márcia. As tecnologias contemporâneas de comunicação e as mudanças na “produção” e no “consumo” de informações. In: CIMADEVILLA, Gustavo (organizador). Comunicação, Tecnologia e Desenvolvimento – discussões do novo século. Rio Cuarto, ALAIC/UNRC, 2006.